Com essas palavras podemos observar a grande dificuldade de Severino na
tentativa de tornar-se um ser único, distinguir-se dos demais. E devido a esse
impedimento o nome próprio, particular Severino, acaba por tornar-se geral,
coletivo, pois existem inúmeros Severinos iguais ao Severino. Somos muitos
Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se
equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas.
Nessa citação observamos o fracasso de tentar-se individualizar, por mais que
ele tente ser único, percebe que é igual a todos os Severinos.
E no final da primeira cena, Severino diz que, [...] passo a ser o Severino que
em vossa presença emigra. Mas, assim mesmo, ele é igual aos outros. Quantos
Severinos não emigram?
Dessa forma, o Severino nome próprio acaba-se como um adjetivo generalizando
Severino, torna-se coletivo, geral, sinônimo de pobreza, fome, doença, morte,
dificuldade de sobrevivência, etc. Seja pela vida repleta de impedimentos, seja
pela morte Severina. [...] mesma morte Severina: que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por
dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e
até gente não nascida).
Como colocamos no início deste texto, Severino sai da Serra da Costela, em
busca de vida, melhores condições de sobrevivência, entretanto, o que vê nessa
peregrinação é apenas morte, a única vida é o rio Capibaribe que ele segue,
porém, às vezes, esse rio torna-se estreito, e o protagonista fica com medo de
perder seu único fio de vida.
Já foi mencionado que Severino encontra apenas dificuldades, morte em sua
peregrinação, vale dizer que a única pessoa que está em melhor situação é uma
mulher que trabalha com a morte, vive da morte.
[...] ali, que se não rica, parece remediada ou dona de sua vida: vou saber se
de trabalho poderá me dar notícia. [...] Sabe cantar excelências, defuntos
encomendar? [...] trabalhávamos a meias, que a freguesia bem dá. [...] como
aqui a morte é tanta, vivo de a morte ajudar. [...] uma profissão, e a melhor
de quantas há: [...] Só os roçados da morte compensam aqui cultivar [...].
Após a peregrinação Severino chega em Recife, o retirante senta-se para
descansar ao pé de um muro alto e ouve, sem ser notado, a conversa de dois
coveiros e esse diálogo o afeta muito.
[...] __ Esse povo lá de riba de Pernambuco, da Paraíba, que vem buscar no
Recife poder morrer de velhice, encontra só, aqui chegando cemitérios
esperando. __ Não é viagem o que fazem, vindo por essas caatingas, vargens; aí
está o seu erro: vêm é seguindo seu próprio enterro.
Severino estava ciente de que muita coisa não iria encontrar, pois o que o fez
retirar não foi a cobiça, mas sim, defender sua vida da velhice que chega antes
dos trinta, ou seja, condições melhores para sobreviver, entretanto, ouve essas
palavras, a voz da consciência, e isso o deixa atônito, veio seguindo sua
própria morte. Ele que veio seguindo a vida (rio) e esperava encontrar vida.
Nessa situação, Severino decide morrer “a de saltar, numa noite, fora da ponte
da vida?”, pular da ponte do rio, a única vida que ele encontrou ao longo desse
caminho percorrido até Recife. Mas, nesse momento, nasce um bebê: “saltou para
dentro da vida? / Saltou para dentro da vida [...].
A personagem que havia feito uma pergunta a respeito do seu provável suicídio
ao seu José, mestre Carpina tem a resposta com o nascimento do bebê, vida:
[...] ela, a vida, a respondeu com sua presença viva [...] E não há melhor
resposta que o espetáculo da vida: vela desfiar seu fio [...] mesmo quando é a
explosão de uma vida Severina.
Observamos, nesses fragmentos, além da resposta de Severino entre saltar ou não
saltar da ponte da vida, a questão do próprio título da obra. Por que Morte e
Vida Severina?
Sabemos que tudo que é vivo inicia com a vida, contudo, João Cabral começa uma
obra com a morte, já que a personagem ao longo de sua jornada encontra apenas a
morte, decide morrer, mas no final de sua peregrinação aparece a vida, aquela
criança que nasce, nem que seja para ter um destino Severino, apesar da
pobreza, nasce uma vida e todos ficam felizes e esse acontecimento gera
esperança a nosso Severino, a esperança vem da própria vida. Esse nascimento
muda a vida do herói, pois dá sentido a sua própria vida, vê que a vida ainda
tem sentido.
A história de Severino é a mesma de outros tantos, história de sofrimento,
contada pelo escritor com sensibilidade e crítica social. É muito interessante
o modo como o autor constrói sua poesia, pois converte a miséria, indigência,
fome, secura da paisagem num elemento poético de tal plasticidade, de tal
essência que tudo torna-se de uma beleza inigualável.
E, acima de tudo, a história de Severino de João Cabral termina, porém a dos
demais Severinos continua, porque ainda hoje os retirantes continuam a fugir da
seca do sertão Nordestino.