Fazer do amor um ídolo pode signicar permitir que o ser amado explore e abuse de você ou talvez cause uma terrível cegueira para as patologias no relacionamento.
Praticar a idolatria é ser um escravo.
Há um relato na Bíblia que ilustra como a busca do amor pode tornar-se uma forma de escravidão.
Trata-se da história de Jacó e Leia (Lia) em Gênesis 29.
Embora muito antiga, nunca foi tão relevante.
Sempre tem sido possível converter o amor romântico e o casamento em um deus falso, mas a cultura em que vivemos torna ainda mais fácil o erro de transformar o amor em Deus ou de sermos arrastados por esse amor e depositar toda nossa esperança de felicidade nele.
Abraão gerou Isaque.
Anos mais tarde, a esposa de Isaque, Rebeca, engravidou de gêmeos, e Deus falou por meio de uma profecia:
“… O mais velho servirá ao mais moço”
(Gn 25.23).
Apesar da profecia, o coração de Isaque se inclinava para o filho mais velho Esaú, preferindo-o ao mais jovem, Jacó. De modo irônico, esse foi o mesmo erro trágico que Deus havia poupado Abraão de cometer quando o chamara para oferecer seu único filho em sacrifício.
Por causa do favoritismo de Isaque, Esaú cresceu orgulhoso, mimado, voluntarioso e impulsivo, ao passo que Jacó cresceu cínico e amargurado.
Labão lhe ofereceu o emprego de administrador. “Trabalharás de graça para mim, por ser meu parente? Diga-me qual será o teu salário”, perguntou o tio.
A resposta de Jacó foi uma palavra: Raquel.
Jacó ofereceu o salário de sete anos por ela, o que, em moeda da época, era preço altíssimo por uma noiva.
“… e estes lhe pareceram poucos dias, pelo muito que a amava”
(v. 20).
Jacó tinha uma vida vazia.
Jamais tivera o amor do pai, havia perdido o amor da mãe querida e, com certeza, não tinha nenhuma ideia do amor e cuidado divinos.
Todos os anseios do seu coração por sentido e afirmação se fixaram em Raquel.
Cultivamos a fantasia de que se encontrarmos nosso verdadeiro parceiro de alma, tudo o que há de errado conosco será curado.
Mas quando nossas expectativas e esperanças atingem essa dimensão, como diz Becker, “o objeto do amor é Deus”. Amante nenhum, ser humano nenhum, está qualicado para o papel. Ninguém pode viver a altura disso.
O resultado inevitável é a amarga desilusão.
Os cristãos explicam que nossa capacidade para o amor romântico origina-se do fato de sermos à imagem de Deus (Gn 1.27-29; Ef 5.25-31).
De qualquer forma, o amor romântico é um objeto de enorme poder para o coração e a imaginação humanos, por isso consegue dominar excessivamente nossa vida.
Até quem evita por completo o amor romântico, em razão de amargura ou medo, na verdade está sendo controlado por seu poder.
O vazio interior de Jacó o tornara vulnerável à idolatria do amor romântico.
Sete anos se passaram e Jacó procurou Labão para cobrar:
“Dá-me minha mulher”.
Mas “Quando amanheceu, lá estava Leia” (Gn 29.25).
Mais tarde, a idolatria de Jacó por Raquel produziu décadas de sofrimento em sua família. Ele adorava e privilegiava os filhos de Raquel em detrimento dos de Leia, destruindo e afligindo o coração de todos, ao mesmo tempo que envenenava o universo familiar.
...a Bíblia repetidas vezes nos mostra pessoas fracas que não merecem a graça de Deus, não a buscam nem lhe dão valor mesmo depois de recebê-la.
Aprendemos que a desilusão cósmica predomina ao longo de toda a vida.
Ninguém, nem mesmo a melhor pessoa do mundo, tem como conceder à sua alma tudo de que ela necessita.
Você pensará que foi para a cama com Raquel e se levantará e será sempre Leia.
Essa decepção, essa desilusão cósmica se faz presente a vida toda, mas nós a sentimos especialmente nas coisas em que mais apoiamos nossas esperanças.
Por fim, como diz C. S. Lewis ao término do excelente capítulo sobre a esperança, você pode reorientar completamente o foco de sua vida para Deus.
Lewis conclui:
“Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência neste mundo é capaz de satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo [algo sobrenatural e eterno]”.
Já o Deus da Bíblia é aquele que desce a este mundo para efetuar uma salvação e conceder-nos uma graça que jamais obteríamos por nós mesmos.
Ele ama o indesejado, o fraco e o mal-amado.
Ele não é apenas um rei, e nós, seus súditos; não é apenas um pastor, e nós, as ovelhas.
É um marido, e nós, sua esposa.
Sente-se encantado conosco — incluindo aqueles dentre nós que mais ninguém nota.
Eis o poder para vencermos nossas idolatrias.
Muita gente no mundo não encontrou um parceiro romântico e precisa ouvir o Senhor dizer:
“Sou o noivo verdadeiro. Só existe um par de braços que lhe dará todo o desejo do seu coração e esperará por você no m dos tempos. Basta você se voltar para mim. E saber que o amo agora”.
Todavia, não é somente quem não tem um cônjuge que necessita enxergar em Deus o nosso cônjuge perfeito, mas também quem o tem. Essas pessoas precisam disso a m de salvar seu casamento do peso esmagador das próprias expectativas divinas.
Quando Deus veio à terra em Jesus Cristo, ele era mesmo filho de Leia.
Tornou-se o homem que ninguém queria.
Nasceu em uma manjedoura.
Não tinha beleza para que o desejássemos (Is 53.2).
Veio para os seus e os seus não o receberam (Jo 1.11).
E, no m, todos o abandonaram.
Jesus clamou até para seu Pai: “Por que me desamparaste?”.
Por que ele se tornou filho de Leia?
Por que se tornou o homem que ninguém desejava?
Por você e por mim.
Ele tomou sobre si nossos pecados e morreu em nosso lugar.
Se nos comovemos profundamente com a visão do amor dele por nós, nosso coração se afasta de outros pretensos salvadores.
Paramos de tentar nos redimir por meio de atividades e relacionamentos, porque já fomos redimidos.
Paramos de tentar transformar pessoas em salvadoras, pois temos um Salvador."
Trecho do Cap. 2 do livro deuses Falsos, Timothy Keller.
MilaResendes
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