terça-feira, 15 de agosto de 2023

Os ídolos ocultos em nossa vida; cap 6, deuses Falsos, Timothy Keller

"Ídolo é aquilo para o que nos voltamos em busca de coisas que só Deus pode dar. 
A idolatria opera, em ampla escala, dentro das comunidades religiosas quando a verdade doutrinária é elevada à posição de um deus falso. 
Isso ocorre quando as pessoas depositam confiança na exatidão da própria doutrina para sua aceitação diante de Deus, e não no próprio Deus e em sua graça. 
É um erro sutil, mas fatal. 

Andrew Delbanco escreveu: “Usarei a palavra cultura com o sentido de relatos e símbolos pelos quais tentamos esconder a desconfiança melancólica de que vivemos em um mundo sem sentido”. 

No cerne de toda cultura está sua principal “Esperança”, o que ela diz ser a vida para seus integrantes.

Qualquer “esperança” cultural dominante que não seja o próprio Deus é um falso deus. Portanto, os ídolos não só assumem forma individual, mas podem ser corporativos e sistêmicos. 

Não deveríamos achar que uma cultura é menos idólatra que outra. Sociedades tradicionais tendem a fazer da unidade familiar e do clã um valor absoluto e supremo. Isso pode levar a assassinatos por honra, ao tratamento das mulheres como propriedade e à violência contra os homossexuais. 
As culturas ocidentais seculares criam ídolos da liberdade individual e isso leva ao colapso da família, ao materialismo desenfreado, ao carreirismo e à idolatria do amor romântico, da beleza física e do lucro.

Os ídolos que nos impulsionam são complexos, multiestratificados e, em grande parte, ocultos a nós. 
Talvez o melhor exemplo disso na Bíblia seja visto na famosa história de Jonas. A maioria das pessoas a considera uma lição de escola dominical para crianças sobre um homem engolido por um peixe enorme. 

"A palavra do SENHOR veio a Jonas, o lho de Amitai: “Levante-se, vá para Nínive, aquela grande cidade, e proclame contra ela, pois a maldade deles subiu até minha presença” 
(Jn 1.1,2, TA).

Nínive era a cidade mais poderosa do mundo, sede do Império Assírio, cujas forças armadas ameaçavam aniquilar Israel e seus vizinhos. Fazer qualquer coisa que de alguma forma beneciasse a Assíria teria sido visto como suicida para Israel. 

Deus estendia as mãos em misericórdia ao grande inimigo do seu povo — não se poderia imaginar missão mais inusitada. Deus estava enviando um profeta judeu patriota para fazer isso — não se poderia escolher emissário mais improvável. Deus lhe havia pedido para fazer o que ele deve ter considerado algo sem sentido. Mas era essa a missão, e ele, o missionário.

"Mas Jonas se levantou para fugir da presença do SENHOR para Társis. Desceu até Jope e, encontrando um navio com destino a Társis, pagou a passagem e embarcou, fugindo da presença do SENHOR"
(Jn 1.3, TA).

Jonas teria medo do fracasso. 
Deus estava convocando um único profeta hebreu para entrar na cidade mais poderosa do mundo e exortá-la a ajoelhar-se diante de Deus. O único resultado possível parecia ser a zombaria ou, mais provável, a morte. Os pregadores gostam de ir onde serão persuasivos.

Então, por que ele fugiu? 
A resposta é, mais uma vez, a idolatria, mas de um tipo bastante complexo. 
Jonas tinha um ídolo pessoal. 
Ele queria o êxito ministerial mais do que obedecer a Deus. 
Por fim, Jonas tinha um ídolo religioso, mera justiça própria. 
Sentia-se superior aos ninivitas perversos e pagãos. 
Não queria vê-los salvos. 

Jonas embarcou em um navio com o intuito de fugir de Deus e de sua missão. 

"Os homens foram tomados de grande pavor e — depois que Jonas admitiu estar fugindo da presença do SENHOR — disseram-lhe: “Como pôde fazer uma coisa dessas!”. Então lhe perguntaram: “O que temos de fazer com você a m de que o mar se acalme conosco, pois ele está cada vez mais tempestuoso?”. Ele lhes respondeu: “Peguem-me e atirem-me ao mar; então o mar se acalmará com vocês, porque armo que é por minha causa que essa grande tempestade se abateu sobre vocês” 
(Jn 1.10-12, TA).

O peixe era a provisão divina para Jonas. Deu-lhe a oportunidade de recuperar-se e arrepender-se. 
Dentro do peixe, Jonas fez uma oração a Deus. 
"Então Jonas orou ao SENHOR, seu Deus, do ventre do peixe, dizendo: “Clamo ao SENHOR na minha angústia e ele me responde. Eu disse: ‘Fui expulso da tua presença; porém, continuo a olhar para o teu santo templo’. […] Os que obedecem a ídolos vazios renunciam ao próprio amor da aliança. Mas eu oferecerei voz de ação de graças, oferecerei sacrifício a ti; cumprirei os meus votos. A salvação vem somente do SENHOR!” E o SENHOR falou ao peixe, e este vomitou Jonas em terra seca"
(Jn 1.17—2.1,4,8,10, TA). 

Ele fez menção aos “que obedecem a ídolos vazios”. 
Adoradores de ídolos eram as pessoas para as quais Deus tinha enviado Jonas em Nínive.
Agora, Jonas diz que os adoradores de ídolos renunciam “à própria graça”
De repente, como um raio, ocorreu-lhe que a graça de Deus era deles tanto quanto sua. 
Por quê? Porque graça é graça. 
Se é verdadeira graça, então ninguém era digno dela, e isso tornava todos iguais. 
Com essa constatação, ele acrescentou: 
“A salvação vem somente do Senhor!”
Não pertence a nenhuma raça ou classe de pessoas. 
Os religiosos não a merecem mais que os irreligiosos. 
Não é resultado de qualidade ou mérito em nós. 
A salvação vem somente do Senhor.

"Então a palavra do SENHOR veio a Jonas pela segunda vez, dizendo: “Levante-se, vá para Nínive, a grande cidade, e proclame a mensagem que estou lhe dizendo”. Então, Jonas se levantou e partiu para Nínive, conforme a palavra do SENHOR. Nínive agora era uma cidade muito grande — da largura de três dias de viagem — e importante para Deus. Jonas avançou cidade adentro por um dia e clamou: “Em quarenta dias, Nínive será destruída!”. E o povo de Nínive creu em Deus. Decretaram um jejum e se vestiram de pano de saco, do maior ao menor. […] Quando Deus examinou suas obras, que tinham abandonado seus maus caminhos, desistiu de causar o desastre que pretendera contra eles e não o executou. Mas o que Deus fez era tão terrível aos olhos de Jonas que o profeta ardeu de raiva" 
(Jn 3.1-5,10; 4.1, TA). 

Agora vem a parte da história quase universalmente ignorada. 
Mais uma vez, Deus deu a Jonas a responsabilidade de ir a Nínive, e dessa vez ele obedeceu. 

A nação da Assíria era de fato violenta ao extremo, mas aqui, ao menos por algum tempo, demonstrou arrependimento e disposição em corrigir-se. 
Deus teve misericórdia deles. 

A grande surpresa da história ocorre no momento que deveria ter sido o de maior triunfo para Jonas. 
Ele pregara para a cidade mais poderosa do mundo e a deixara literalmente de joelhos. 
Contudo, a resposta positiva de Nínive à sua pregação o enfureceu de tal maneira que ele acusou Deus de maldade e pediu para ser morto ali mesmo! 

"E orou ao SENHOR e disse: “Ó SENHOR, não foi isso que falei quando ainda estava em minha terra natal? Por isso fugi depressa para Társis; pois sabia que és um Deus gracioso e compassivo, muito paciente e abundante em amor el, e que também renuncias a planos de produzir desastre. Por isso, agora, ó SENHOR, por favor, tira-me a vida, pois para mim a morte é melhor que a vida” 
( Jn 4.1-3, TA). 
As motivações do coração de Jonas enfim são plenamente reveladas. 

Jonas odiava tanto a raça assíria que considerava o perdão de Deus concedido a ela a pior coisa que poderia ocorrer. 
Estava disposto a confrontar e acusar os ninivitas, mas não podia amá-los. 
Não queria que fossem salvos; não queria que recebessem a misericórdia de Deus.

No entanto, os ídolos de Jonas tinham se rearmado com fúria. Seu entendimento da graça divina no capítulo 2 havia sido principalmente intelectual. 
Não lhe penetrara o coração. 
Jonas serve de advertência de que o coração humano nunca muda rápida ou facilmente, mesmo quando a pessoa está sendo orientada pelo próprio Deus. 

A idolatria distorceu o modo de pensar de Jonas.

Quando um ídolo se apodera de seu coração, ele produz um conjunto de denições falsas de sucesso e fracasso e felicidade e tristeza. Redefine a realidade segundo os próprios termos. 

Os ídolos distorcem não apenas nosso pensamento, mas também nossos sentimentos. 
"E o Senhor disse: “É bom que você arda com tanta raiva?”. Jonas então deixou a cidade e sentou-se ao oriente dela, onde construiu para si um abrigo. Sentou-se à sombra dele, esperando para ver o que aconteceria com a cidade. A fim de livrá-lo de seu abatimento, o Senhor Deus ordenou que uma gigayon crescesse rapidamente sobre Jonas para fazer sombra sobre sua cabeça. E Jonas ficou contentíssimo e feliz com a planta. Mas ao raiar do dia seguinte, Deus ordenou que uma lagarta atacasse a gigayon, de modo que ela secasse. E quando o sol se ergueu mais, Deus designou um vento oriental cortante e que o sol batesse na cabeça de Jonas de modo que ele caísse desfalecido e fraco. E ele desejou muito morrer, pensando: “Para mim é melhor morrer do que viver”. Mas Deus disse a Jonas: “É razoável que você fique com tanta raiva e tão abatido por causa da planta?”. E ele respondeu: “Sim, é. Estou com raiva e abatido o suciente para morrer” 
(Jn 4.4-9, TA).

Quando a idolatria se projeta para o futuro — quando nossos ídolos são ameaçados —, o medo e a ansiedade paralisantes se instauram. 
Quando ela se projeta para o passado — ao e nos lembra que decepcionamos nossos ídolos —, resulta em culpa irremediável. 
Quando a idolatria se projeta para a vida presente — quando nossos ídolos são detidos ou removidos pelas circunstâncias —, ela nos perturba com raiva e desespero. 

Tudo isso ocorria no coração de Jonas. Por que ele perdeu a vontade de viver? 
Ninguém perde a vontade de viver a menos que tenha perdido o sentido da vida.

E o Senhor disse: 
“Você se afligiu pela planta gigayon, que não plantou, não fez crescer e que veio à existência e pereceu em uma noite. E eu não deveria ter compaixão de Nínive, a grande cidade, em que há mais de 120 mil pessoas que não sabem discernir entre mão direita e esquerda, e muitos animais?” 
(Jn 4.10,11).

Séculos mais tarde, apareceu alguém que a seus ouvintes atônitos disse ser o Jonas supremo (Mt 12.39-41). 
Ao vir à terra, Jesus Cristo deixava a zona de conforto máxima para vir e ministrar não só às pessoas que poderiam prejudicá-lo, mas àquelas que de fato o fariam. 
E, a fim de salvá-las, teria de fazer muito mais que pregar; teria de morrer por elas. 
Enquanto o Jonas original foi supostamente dado como morto, Jesus morreu de verdade e ressuscitou. 
Foi o que ele chamou de o sinal de Jonas (Mt 12.39, NIV).

Em Marcos 4, temos um relato da vida de Jesus que remete deliberadamente à história do Antigo Testamento. 
Uma tempestade terrível se abateu sobre um barco em que, como Jonas, Jesus continuou dormindo. Como os marinheiros, seus discípulos caíram apavorados e o acordaram para dizer que estavam prestes a morrer. Nos dois casos, a tempestade foi milagrosamente acalmada, e os passageiros das duas embarcações foram salvos pelo poder de Deus.

Deus indicou a Jonas que amaria as grandes cidades perdidas da terra de uma maneira que Jonas não o faria. No evangelho de Jesus Cristo, o verdadeiro Jonas, esse compromisso se cumpriu.

O livro de Jonas termina com uma questão. 
Deus lhe pergunta: 
“Seu amor não deveria ser igual ao meu? Não quer deixar seu egocentrismo e sua idolatria e começar a viver para mim e pelos outros?”. 
Esperamos uma resposta que nunca vem! 
Porque o livro acaba. 

O fim é brilhante e satisfatório. 
Porque não precisamos nos perguntar se Jonas se arrependeu e viu a luz. 
Deve tê-lo feito. 
Como sabemos disso? 
Bem, de que outra forma conheceríamos essa história, a menos que Jonas a relatasse para alguém? 
E quem haveria de contar uma história em que é visto como um tolo maldoso em cada página, a não ser um homem em quem a graça de Deus alcançou o centro de seu coração? 

Por que, então, não nos é apresentada a resposta de Jonas no livro? 
É como se Deus mirasse uma seta de repreensão em amor no coração do profeta, disparasse e, de repente, Jonas desaparecesse, deixando-nos no trajeto da seta. 

A pergunta vem diretamente a nós porque você e eu somos Jonas. 
Estamos de tal modo escravizados a nossos ídolos que não nos importamos com pessoas que são diferentes, que vivem nas grandes cidades ou que até pertencem a nossa família, mas são muito difíceis de amar. 
Será que, como Jonas, estamos dispostos a mudar? 
Em caso afirmativo, precisamos olhar para o Jonas Supremo e seu sinal, para a morte e ressurreição de Jesus Cristo."

Trecho do Cap 6 do livro deuses Falsos, Timothy Keller. 

MilaResendes 

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