quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A sedução do sucesso; cap 4, deuses Falsos, Timothy Keller


“A realização é o álcool do nosso tempo”, diz Mary Bell, conselheira que trabalha com altos executivos.

"No final, a realização não consegue responder verdadeiramente às grandes questões “Quem sou eu?”, “Qual é o meu verdadeiro valor?”, “Como enfrento a morte?”
Ela transmite a ilusão inicial de uma resposta. Uma torrente inicial de felicidade leva-nos a crer que alcançamos, sendo incluídos, aceitos e tendo provado quem somos. 
Contudo, a satisfação logo se dissipa.

Mais que outros ídolos, o sucesso e a realização pessoais levam a uma percepção de que somos deuses, que nossa segurança e valor se baseiam em nossa própria sabedoria, força e também em nosso desempenho. 
Ser o melhor no que você faz, estar no auge signica não haver quem se compare a você. 
Você é o máximo.

Nossa cultura contemporânea nos faz particularmente vulneráveis à transformação do sucesso em falso deus. 
Em seu livro  A mente desprotegida: modernização e consciência], Peter L. Berger ressalta que, nas culturas tradicionais, o valor pessoal é mensurado da perspectiva da “honra”
Confere-se honra àqueles que satisfazem o papel que lhes é atribuído na comunidade, como cidadão, pai, mãe, professor ou governante. 
A sociedade moderna, entretanto, é individualista e fundamenta o valor na “dignidade”
Dignidade signica o direito de cada indivíduo desenvolver a própria identidade e natureza, livre de qualquer papel ou categoria atribuídos pela sociedade. 

Portanto, a sociedade moderna exerce grande pressão sobre os indivíduos para que demonstrem seu valor mediante a realização pessoal. Não basta ser bom cidadão ou membro de família. Você precisa vencer, estar no topo, mostrar que é um dos melhores.

"Naamã, comandante do exército do rei da Síria, era um homem importante e muito respeitado diante do seu senhor, porque o SENHOR havia livrado os sírios por intermédio dele. Era um guerreiro valente, porém leproso"
(2Rs 5.1). 

Observe-se como o autor de 2Reis faz diversos elogios e menciona várias realizações, mas de repente acrescenta que, apesar de tudo isso, Naamã era um morto-vivo.

Numa das suas investidas militares, os sírios haviam levado cativa uma menina da terra de Israel, que passou a servir à mulher de Naamã. 
Ela disse à sua senhora: 
"Quem me dera o meu senhor procurasse o profeta que está em Samaria! Ele o curaria da sua lepra" 
(2Rs 5.2,3).

Naamã esperava obter a cura pelas cartas de máxima recomendação endereçadas de um rei a outro. Pensou que poderia usar o próprio sucesso para lidar com seus problemas. 
Não entendia que algumas coisas só Deus pode fazer. A escrava lhe dissera apenas para “ver o profeta em Israel”, indo diretamente ao profeta e suplicando pela cura. 
Isso não correspondia à visão que Naamã tinha do mundo. 

O princípio em operação é o seguinte: se você vive de modo correto, os deuses ou Deus terão de abençoá-lo e lhe dar prosperidade. Nada mais natural, então, que presumir que as pessoas mais bem-sucedidas em uma sociedade fossem aquelas mais próximas de Deus. Seriam essas as pessoas que conseguiriam obter o que desejassem de Deus. Por isso, a religião tradicional sempre espera que os deuses atuem por meio do indivíduo bem-sucedido, e não por meio de quem está de fora, os fracassados. 
Essa é a razão por que Naamã foi diretamente ao rei.

Quando o rei de Israel bradou:
“Sou um deus? Posso matar e trazer à vida?”, ele tocou no cerne do problema de Naamã, que havia feito do sucesso um ídolo. Esperava que, com base em sua realização, pudesse aproximar-se das pessoas com seu “sucesso” todo e conseguir tudo o que necessitasse. Mas realização, dinheiro e poder não podem “matar ou dar vida”.

Naamã está à procura de um Deus domesticado, mas este é um Deus indomável. 
Ele busca um Deus que possa tornar seu devedor, mas este é um Deus de graça, a quem todos são devedores. 
Naamã está buscando um Deus particular, um Deus para você, mas não para todos. 
Mas esse é o Deus de todo o mundo, quer o reconheçamos, quer não.

"Quando Eliseu, o homem de Deus, ouviu que o rei de Israel havia rasgado as roupas, mandou dizer ao rei: Por que rasgaste as roupas? Envia-o a mim e saberás que há profeta em Israel. Naamã foi com os seus cavalos e com o seu carro e parou na entrada da casa de Eliseu" 
(2Rs 5.8,9). 

Naamã foi à casa de Eliseu e o que viu e ouviu ali o surpreendeu.

"Vai, lava-te sete vezes no Jordão. Tua pele será restaurada e carás puricado. Porém Naamã retirou-se indignado, dizendo: Eu tinha certeza de que ele viria me encontrar, invocaria em pé o nome do SENHOR, seu Deus, colocaria a mão sobre as feridas e me curaria da lepra. Por acaso os rios Abana e Farpar de Damasco não são melhores do que todas as águas de Israel? Eu não poderia me lavar neles e car puricado? E foi embora indignado. Porém seus servos foram até ele e lhe disseram: Meu pai, se o profeta tivesse te mandado fazer algo difícil, não o terias feito? Quanto mais se ele apenas diz: Lava-te e carás puricado" 
(2Rs 5.10-13). 

Naamã esperava que Eliseu pegasse o dinheiro e realizasse algum ritual de magia. 

Ele acabara de descobrir que esse Deus não é uma extensão da cultura, mas alguém que a transformava; não um deus controlável, mas um Senhor soberano. 
Agora Naamã estava sendo confrontado por um Deus que só atua com base na graça em suas relações com os seres humanos. 
Ninguém pode controlar o verdadeiro Deus porque ninguém é capaz de conquistar, merecer ou alcançar a bênção e salvação concedidas por ele.

“Lava-te apenas”, portanto, era uma ordem difícil por ser fácil demais. 
Para executá-la, Naamã tinha de admitir sua impotência e fraqueza e receber sua salvação como um dom gratuito. 

Essa heroína bíblica desconhecida recusou-se a aliviar o próprio sofrimento fazendo Naamã pagar por ele. 
Ela agiu como a Bíblia inteira nos ordena. 
Não buscou vingança; confiou em Deus para ser o juiz de tudo aquilo. 
Perdoou Naamã e tornou-se veículo de sua cura e salvação. 

"Então ele desceu e mergulhou no Jordão sete vezes, conforme a palavra do homem de Deus; e a sua pele tornou-se como a pele de um menino, e ficou puricado. Então ele voltou ao homem de Deus com toda a sua comitiva. Ao chegar diante dele, disse: Agora sei que em toda a terra não há Deus, a não ser em Israel; peço-te agora que recebas um presente do teu servo. Porém Eliseu respondeu: Tão certo como vive o SENHOR, a quem cultuo, não o receberei. Naamã insistiu com ele para que o recebesse, mas ele se recusou a recebê-lo" 
(2Rs 5.14-16). 

A história bíblica da salvação ataca nossa adoração ao sucesso do início ao fim. 
Para ser curado, Naamã teve de aceitar a palavra de uma serva e, mais tarde, de um servo de Eliseu e, por fim, dos próprios servos. 

A resposta não veio do palácio, mas das acomodações dos escravos! 
Certamente, o exemplo supremo desse tema é o próprio Jesus Cristo. 
Ele veio não para Roma ou Alexandria ou China, mas para uma colônia atrasada. 
Nasceu não em um palácio, mas em uma manjedoura, dentro de um estábulo.

Não escaparemos de nossa idolatria do sucesso simplesmente impondonos severa repreensão por isso. 

O ídolo do sucesso não pode ser simplesmente expulso; precisa ser substituído.

Só quando virmos o que Jesus, nosso grande Servo Sofredor, fez por nós enfim entenderemos por que a salvação divina não exige “algo difícil” de nós. 
Não temos essa obrigação porque Jesus já a satisfez. 
Por isso, podemos “simplesmente lavarmo-nos”
Jesus fez tudo por nós e nos ama — eis como sabemos que nossa existência está justicada. 

Ao longo de todo o ministério de Jesus, os discípulos lhe perguntavam: 
“Quando o senhor tomará o poder? 
Quando vai parar de confraternizar-se com gente simples? 
Quando começará a estabelecer sua rede de contatos e a levantar fundos? 
Quando se candidatará a um cargo no governo? 
Quando serão as primárias? 
Quando será nossa primeira aparição na TV?”. 
Em vez disso, Jesus serviu humildemente e, depois, foi torturado e morto. 
Mesmo quando ressuscitou dos mortos, apareceu primeiro a mulheres, gente que na época não desfrutava de posição alguma. 
A salvação de Jesus é recebida não pela força, mas pela admissão de fraqueza e necessidade. 
E a salvação de Jesus foi alcançada não pela força, mas mediante entrega, serviço, sacrifício e morte. 
Essa é uma das grandes mensagens da Bíblia: 
"Deus escolhe as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes, as tolas e desprezadas para envergonhar as sábias e até as que não são para reduzir a nada as que são" 
(1Co 1.29-31). 
É assim que Deus faz."

Trecho do Cap 4 do livro deuses Falsos, Timothy Keller. 

MilaResendes 

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